No capítulo anterior vimos alguns modelos matemáticos que nos permitem escolher pessoas para uma posição, seja Presidente da República, seja Presidente de uma Câmara Municipal, seja campeão de Fórmula 1. Mas há situações diferentes dessas, como seja a da eleição dos vereadores para uma Câmara Municipal, pois neste caso não se escolhe uma só pessoa, mas sim um grupo de pessoas. A lei define quantos vereadores vai ter cada Câmara Municipal, em função do número de residentes em cada município.
Para cada eleição autárquica, a Comissão Nacional de Eleições publica, nos termos da lei, a lista do número de vereadores a eleger para cada Câmara Municipal (e também para a Assembleia Municipal e para a Assembleia de Freguesia, mas não vamos discutir esses casos aqui). Para as eleições autárquicas de 2021, a Comissão Nacional de Eleições publicou o mapa com o número de mandatos em https://www.cne.pt/content/eleicoes-autarquicas-2021.
O PDF e a Folha de Cálculo para as eleições de 2021 estão disponíveis abaixo:
Vamos agora efetuar os cálculos do número de vereadores de cada partido ou coligação para a Câmara Municipal de Lisboa. Como é feito esse cálculo, de modo a que o número de vereadores seja proporcional ao número de votos obtido por cada lista (partido ou coligação)? A Lei Orgânica n.º 1/2001 relativa à Eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais determina o seguinte no seu artigo 13.º:
“Artigo 13.º
Critério de eleição
A conversão de votos em mandatos faz-se de acordo com o método de representação proporcional correspondente à média mais alta de Hondt, obedecendo às seguintes regras:
a) Apura-se, em separado, o número de votos recebidos por cada lista no círculo eleitoral respetivo;
b) O número de votos apurados por cada lista é dividido, sucessivamente, por 1, 2, 3, 4, 5, etc., sendo os quocientes alinhados pela ordem decrescente da sua grandeza numa série de tantos termos quantos os mandatos que estiverem em causa;
c) Os mandatos pertencem às listas a que correspondem os termos da série estabelecida pela regra anterior, recebendo cada uma das listas tantos mandatos quantos os seus termos na série;
d) No caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes da série serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido o menor número de votos.”
Método de Hondt
Assim, nas autarquias locais, para eleição dos vereadores da Câmara Municipal, é necessário aplicar o procedimento chamado Método de Hondt. Em que consiste?
A Lei Orgânica n.º 1/2001, como vimos acima, explica o método e até explica o que fazer em caso de empate. Vamos aplicá-la num exemplo muito simples. Suponhamos que para a eleição da Câmara Municipal de Alvaiázere, que elege 5 vereadores, se apresentam apenas três partidos, A, B e C, e que os resultados desses partidos são, respetivamente, 1577, 1532 e 402 (estes são os resultados das eleições autárquicas de 2021, embora houvessem mais partidos concorrentes, mas com menor expressão do que os 3 indicados).
O Método de Hondt diz que o “número de votos apurados por cada lista é dividido, sucessivamente, por 1, 2, 3, 4, 5, etc.”. É o que vamos fazer na Tabela 1:
Tabela 1
Divisão por…
Partido A
Partido B
Partido C
1
1577
1532
402
2
788,5
766
201
3
525,7
510,7
134
Agora devemos proceder do seguinte modo: devemos colocar “os quocientes alinhados pela ordem decrescente da sua grandeza numa série de tantos termos quantos os mandatos que estiverem em causa”. Como há cinco mandatos em causa devemos escolher, para colocar em linha, os cinco maiores quocientes:
Estão então atribuídos os cinco mandatos, sendo três para o Partido A e dois para o Partido B.
Tarefa 1
Procure na página da Comissão Nacional de Eleições a folha de cálculo com os resultados das eleições autárquicas de 2021 para a Câmara Municipal de Lisboa e calcule os vereadores atribuídos a cada partido/coligação.
Tarefa 2
Recorrendo aos resultados das Eleições Autárquicas de 2021 para a Câmara Municipal de Alvaiázere, determine:
Quantos votos deveria ter obtido o partido C de modo a conquistar um vereador?
Em que circunstâncias um dos quocientes dos partidos B e C daria um empate. Como procederia nesse caso?
Método de Sainte-Laguë
Em todas (ou quase todas) as eleições em Portugal em que é preciso partilhar um certo número de lugares por duas ou mais listas de partidos ou coligações usa-se o Método de Hondt. Mas nalguns países usa-se um outro método conhecido por Método de Sainte-Laguë. É usado, por exemplo, na Alemanha, Bósnia, Noruega, Suécia ou Nova Zelândia.
É fácil explicar este novo método. Podemos dizer que é exatamente igual ao método de Hondt exceto que em vez de usar os divisores 1, 2, 3, 4, 5, etc. usam-se os divisores 1, 3, 5, 7, 9, etc. Isto é, usam-se como divisores números ímpares sucessivos. Que diferença tem este método com o que usámos antes?
Retomemos o caso da eleição da Câmara Municipal de Alvaiázere, que elege 5 vereadores, supondo que se apresentam apenas três partidos, A, B e C, e que os resultados desses partidos são, respetivamente, 1577, 1532 e 402 (ver Tabela 2).
Tabela 2
Divisão por…
Partido A
Partido B
Partido C
1
1577
1532
402
3
525,7
510,7
134
5
315,4
306,4
80,4
Desta vez, para escolher a quem são atribuídos os mandatos, a linha dos cinco maiores quocientes é:
dois para o Partido A, dois para o Partido B um para o partido C.
Esta situação é completamente diferente da obtida ao aplicar o Método de Hondt. É melhor, é pior?
Não cabe aqui essa discussão pois seria preciso entrar com outros fatores políticos e sociais que não temos possibilidade de aprofundar aqui. Mas fica claro, do ponto de vista da Matemática, que a utilização do método de Hondt e do Método de Sainte-Laguë pode produzir resultados muito diferentes.
Tarefa 3
Procure na página da Comissão Nacional de Eleições a folha de cálculo com os resultados das eleições autárquicas de 2021 para a Câmara Municipal de Lisboa e calcule os vereadores atribuídos a cada partido/coligação, caso seja aplicado o Método de Sainte-Laguë.
Tarefa 4
Recorrendo aos resultados das Eleições Autárquicas de 2021 para a Câmara Municipal de Alvaiázere, determine:
Quantos votos deveria ter obtido o partido A de modo a conquistar três vereadores, aplicando o Método de Sainte-Laguë?
Em que circunstâncias um dos quocientes dos partidos B e C daria um empate e como procederia nesse caso, aplicando o Método de Sainte-Laguë?
Como compararia estes resultados com os da tarefa 2.
Nota histórica sobre Victor Joseph Auguste D'Hondt (1841-1901)
Foi um advogado e especialista em direito, professor da Universidade de Ghent, Bélgica. Discutiu bastante os métodos para atribuir lugares a listas partidárias em assembleias de uma forma proporcional aos resultados eleitorais. Publicou em 1878 o seu primeiro trabalho sobre o assunto “Questão eleitoral. A representação proporcional dos partidos”. Em 1881, fundou a Associação Reformista Belga para a Adoção da Representação Proporcional.
Fig. 2
"Victor D'Hondt, Albert Nyssens—Notice et portrait” (Wikipedia)
Nota histórica sobre André Sainte-Laguë (1882-1950)
Foi um matemático francês que frequentou a Escola Normal Superior de Paris. Em 1908 foi nomeado professor da Escola Secundária de Douai (França) e foi nessa altura que escreveu o seu artigo mais famoso em que criticava o Método de Hondt e propunha um outro método que hoje tem o seu nome.
Foi mobilizado para combater na Primeira Guerra Mundial, tendo sido ferido por três vezes, até que foi declarado incapaz para o serviço militar. O tempo que passou nas camas dos hospitais serviu para investigar a Teoria de Grafos que mais tarde foi o tema da sua tese de Doutoramento na Universidade de Paris, em 1924. No final da guerra esteve na Escola Normal Superior de Paris a investigar balística militar.
Depois da guerra foi nomeado professor na Escola Secundária Janson de Sailly em Paris. Com o surgimento da Segunda Guerra Mundial e não podendo combater, participou na resistência à ocupação alemã, ajudando a fundar a “Organisation Civile et Militaire”, tendo sido preso pelos alemães.
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